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sexta-feira, 17 de maio de 2013

I think we are not in Kansas anymore!

 
 
É... o cenário não nos deixa dúvida... Dia de semana sem trânsito e uma paisagem deslumbrante no horizonte limpo e claro só pode significar uma coisa: saímos de São Paulo, da poluição e do stress!
 
Depois de dois anos de casamento (e três reformas na casa!), finalmente conseguimos sincronizar as férias e programar uma viagem digna de recordação.
 
O roteiro? Estrada Real: Cidades Históricas de Minas Gerais
 
 
Primeiro destino: Tiradentes
480 km de São Paulo e 7 horas de viagem (sim, nós demos uma erradinha no caminho!), o final do percurso foi trilhado com muito custo e pouca velocidade. Apesar da paisagem incrível de mares de morros, pastos e plantações de milho, o longo trecho de mão dupla exige atenção aos buracos e adrenalina nas ultrapassagens de inúmeros caminhões se arrastando estrada acima.
Realmente é conflitante pensar que questionamos a falta de ferrovias porque acreditamos que o transporte rodoviário é incentivado em nosso país... Aonde está o incentivo? Caminhões com carga máxima se arrastam por estradas esburacadas, sem acostamento, com cronogramas apertadíssimos e só percebemos isso ao sair do conforto das principais estradas privatizadas de São Paulo...enfim...
 
 
UM POUCO DA HISTÓRIA DA CIDADE:
A cidade de Tiradentes originou-se do pequeno arraial da Ponta do Morro, formado no início do século XVIII.                                  
Desde os últimos anos do século XVII, o paulista Tomé Portes del-Rei explorava o direito de passagem às margens do Rio das Mortes (no caminho da Estrada Real em direção a Tiradentes passamos por diversos rios, inclusive este).
Ele era um vincentino (grupo formado pelos bandeirantes paulistas, que haviam descoberto a região das minas e que por esta razão reclamavam a exclusividade de explorá-las), porém, portugueses e migrantes (especialmenete da Bahia) também eram atraídos à região pela febre do ouro.
Este embate originou a Guerra dos Emboabas (apelido dado pelos paulistas aos "bárbaros" que queriam invadir sua região recém-descoberta).
O nome Rio das Mortes se deu porque ali eram lançados os corpos dos emboabas (e de escravos fugitivos).
O local, denominado Ponta do Morro, logo se transforma em arraial com o afluxo crescente de garimpeiros. Pouco tempo depois, passa a se chamar Arraial da Ponta do Morro de Santo Antônio, em louvor ao santo de devoção dos moradores que aí se reuniram e ergueram uma capela.
Graças à abundância do ouro encontrado, o arraial desenvolve-se rapidamente, sendo elevado à categoria de vila em 1718, quando recebe a denominação de São José del-Rei (São João del Rei é a cidade vizinha à 7km de distância).
Nas primeiras décadas do século XVIII, foi construída a maior parte de seu casario e de suas edificações religiosas, como a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, em 1708, e a Matriz de Santo Antônio, em 1710. Ao redor das igrejas e capelas, localizadas em pontos elevados da cidade, as casas foram se firmando numa configuração que permanece até hoje.
A decadência da mineração, que já se manifestava em toda a Capitania das Minas Gerais desde 1750, só viria a ter reflexos no crescimento da Vila de São José no início do século XIX, quando as minas de ouro se esgotam. Apesar da escassez do metal, a Coroa Portuguesa lança a derrama, exigindo o pagamento compulsório de impostos atrasados do quinto do ouro, que em 1788 somavam mais de oito mil quilos.
A atitude opressora da metrópole faz surgir o espírito revolucionário entre as camadas mais abastadas, reunindo militares, comerciantes e intelectuais no movimento mais tarde conhecido como Inconfidência Mineira. Em 1789, a denúncia do coronel Joaquim Silvério dos Reis coloca São José del-Rei entre as vilas mineiras envolvidas na conspiração. Entre os integrantes está o padre Carlos Correa de Toledo e Mello, vigário da então Freguesia de Santo Antônio, considerado um dos maiores propagadores do movimento e Joaquim José da Silva Xavier.
Em 1889, em homenagem a este herói a cidade passa a se chamar Tiradentes.

E é incrível vivenciar toda esta atmosfera de arquitetura setecentista e este espírito incofidente que confere à cidade um ar de "Vila Madalena Mineira".
Pelo menos foi esta a impressão que eu tive....pessoas descoladas e artistas com uma alma inquieta cuidam para que a cidade seja preservada em cada detalhe.

Matriz de Santo Antônio

Quem conhece Paraty (destino final da Estrada Real), sabe que um bom par de tênis é essencial para a sobrevivência de um turista durante longos dias de caminhadas sobre pedras irregulares.
Em Tiradentes é necessário além disso, a roupa adequada ao clima serrano (manhãs e noites frias e dias de sol quente e museus gelados).
 
 
O coração da cidade é o Largo das Forras (praça principal). Em torno dela estão os principais restaurantes e lojinhas e dela irradiam as ruas que dão acesso aos musesu e igrejas.
 

Nossa pousada (Berço da Liberdade) fica, na minha opinião, no limite do que é confortável para ir e vir dos passeios ao centro a pé. (A Rua do Chafariz e a Rua Padre Toledo oferecem várias pousadas bem no centrinho da cidade).
Este clima mineiro, rebuscado, com muitos detalhes (como o casal mineiro acima, flores de ferro, canecas e bules de ágata, etc) emprestam um clima de interior à pousada, ao mesmo tempo, a arquitetura típica com pé direito alto e janelas amplas beneficiam a luminosidade e amplitude dos cômodos mobiliados com a madeira e ferro da região.
É incrível perceber como esta cidade se alimenta do turismo: restaurantes e pousadas decorados com o artesanato da região estabelecem um padrão e uma aura que nos envolve e acabamos consumindo o artesanato das inúmeras lojas inspirados por esta atmosfera única.


Digo isso porque a cidade vizinha São João del Rei já perdeu seu tom colonial e hoje está super desenvolvida e movimentda, perdendo parte da beleza de um passeio como tivemos pelas ruas de Tiradentes.
Voltando a falar sobre o zelo dos habitantes pela cidade, vale destacar os festivais que dão energia e atraem em diferentes épocas os diferentes públicos.
Perdemos o famoso festival de gastronomia, mas demos a sorte e tivemos a honra de participar do primeiro festival de teatro da cidade.
Chamado "Tiradentes em Cena", a iniciativa trouxe diversos espetáculos para interagir com os diferentes cenários da cidade que foram preparados para receber intervenções cênicas (Largo das Forras, Museu da Liturgia, sobrado Aimorés e Centro Cultural Yves Alves/SESI).
 

A peça “Poema Bar” contou com a presença de Alexandre Borges recitando poemas de Vinícius de Moraes e Fernando Pessoa acompanhado da interpretação de fados e músicas basileiras do pianista português João Vasco.


Entre um poema e outro a carioca Mariana de Moraes e a portuguesa Sofia Vitória cantavam musicas brasileiras e fados também acompanhadas pelo pianista.
Essa interação entre os dois países e o clima intimista de um "bar a meia luz" em plena Praça Principal de Tiradentes criou realmente um clima de exclusividade e uma simplicidade que cumpre o objetivo do festival: aproximar o teatro das pessoas.
 



 
No dia 14/05/2013 tivemos a oportunidade de conhecer o sobrado Aimorés para assistir ao espetáculo Trem da Memória criado e interpretado por Lelo Silva.
O dono do sobrado é como um micenas que patrocina a arte, ele mora no local que é um loft lindamente decorado e que possui um pequeno palco delimitado por afrescos que cobrem a parede. Acho que ele sabe a importância de seu imóvel nesta arquitetura setecentista raríssima e, por isso, empresta sua casa para receber as pessoas para estes pequenos espetáculos.
Trem da Memória é um micro espetáculo em todos os sentidos, ele é apresentado apenas para duas pessoas por vez que assistem estes mini-fantoches em um cenário de miniatura.
Sinopse da peça: Guimarães Rosa escrevia da maneira como falavam os tropeiros e habitantes do sertão mineiro, criando assim um universo próprio. Inspirados nesse universo recriado por Guimarães Rosa e nas obras de Arthur Bispo do Rosário entramos no Trem da Memória que envereda pelos caminhos tortuosos da loucura para contar a história de Sorôco, um homem que faz de tudo para manter sob seus cuidados a mãe e a filha, que eram consideradas por todos como loucas. Sorôco concorda que as levem para o sanatório. Elas partiriam no trem das 12h45. Sem palavras e com uma trilha sonora arrebatadora, o mini espetáculo de 9 minutos de duração é apresentado somente para duas pessoas, que assistem por ângulos diferentes aos encontros e desencontros de curiosos personagens na estação da vida.

 
No dia seguinte assistimos o espetáculo A Descoberta das Américas no palco do Centro Cultural Yves Alves/SESI.

O monólogo adaptado e interpretado por Julio Adrião conta a história de Johan Padan, um sujeito que narra os fatos que se sucederam lá pelos idos de 1492, quando embarcou em Sevilha numa caravela de Cristóvão. O malandro e fanfarrão se vira contando vantagens, sempre em fuga da fogueira da Inquisição. A peça já teve mais de 500 apresentações em 22 estados brasileiros, além de Portugal e Cabo Verde e a atuação de Julio Adrião rendeu a ele o prêmio Shell de melhor ator em 2005.
A peça é de tirar o fôlego, do ator!! rsss É impressionante como ele consegue prender a atenção do público e preencher o palco vazio com os elementos de nossa própria imaginação conforme sua narração ininterrupta nos guia através de suas cômicas histórias.São 70 minutos de comédia numa análise crítica da cultura cristã.
 
Além de toda esta agitação do festival ainda tivemos que encontrar tempo para visitar os pontos turísticos da cidade.
 

Começando pela paisagem, a Serra de São José que permeia a cidade é deslumbrante, adicionado a esta moldura natural temos o calçamento e os casarios com batentes coloridos que completam uma visão de tirar o fôlego (também pelas subidas e descidas rsss).
 
 
Vale reforçar que apesar de rústicas, todas as construções estão muito bem conservadas, pintadas e decoradas.
Andar por estas ruas realmente parece uma viagem no tempo....pouco sinal de celular e a dificuldade que tivemos para encontrar um adaptador de tomada pra recarregar a bateria do notebook são detalhes que nos fazem lembrar como o povo daqui vive num outro tempo.

Nosso primeiro ponto turístico foi o museu da Casa Padre Toledo.
O Padre Toledo, (um padre diferente dos de hoje, com posses e influência política) foi incentivador dos ideais e partícipe da Inconfidência, além de amigo de Tiradentes.

Detalhe da construção feita com adobe.


Espessura das paredes (minha mão está apenas no batente, atrás da porta existe outra estrutura para sustentar a parede!).
Dizem que naquela época esta escada não existia, no lugar dela uma escada embutida presa por cordas escondia as reuniões dos inconfidentes no segundo piso.
 
O museu conserva a casa em que o padre residia (chamado de solar por se tratar de um imóvel "da nobreza") é muito amplo e possui a arquitetura típica setecentista. Porém, por se tratar de um incofidente, todos os objetos, móveis e pertences do padre foram confiscados, queimados e perdidos no tempo. Por isso, tudo o que restou foi a estrutura que, ainda assim, é riquíssima.
Para sustentar os amplos cômodos as paredes tem quase meio metro de espessura e eram construídas com adobe. Inspirado pela arquitetura européia da época, o padre tentou reproduzir esta estrutura em sua residência. Podemos verificar esta referência nos forros pintados e na recém descoberta das pinturas das paredes do quarto - na época a europa utilizava folhas de seda como papéis de parede e, na falta destas, Padre Toledo encomedou as pinturas à mão.
 
Forro chamado "saia e camisa" por sua concepão plana.
Forro estilo "gamela" - a foto foi tirada a partir de um jogo de espelhos dispostos no chão para facilitar a visualização dos detalhes do forro no teto.
Neste outro exemplo de forro gamela cada segmento representa um dos sentidos (no centro, o tato).
No quarto de Padre Toledo, inicia-se a restauração das paredes com a recém descoberta pintura à mão fazendo as vezes do papel de parede europeu.

 
Entre as peças expostas no museu, esta incrível pintura feita à óleo sobre uma chapa de metal criando um efeito quase 3D.

Por fim, em frente ao museu, podemos ver a estátua de Tiradentes concebida a partir de estudos sobre sua real fisionomia. Dizem que por ser alferes de milícia (uma das patentes do exército), Tiradentes possuía a barba e o cabelo sempre muito bem aparados, diferente da longa barba e cabelo que encontramos no imaginário popular, criado para aproximar sua aparência à de Jesus Cristo (como podemos ver no Largo Tiradentes, em Ouro Preto) .



 E eis que, no ponto mais alto da cidade, quase como uma presença onipresente, a Matriz de Santo Antônio lembra cada morador o poder que a igreja exercia sobre seus moradores naquela época.
Infelizmente o interior não pode ser fotografado, mas no ranking brasileiro ela está em segundo lugar em quantidade de ouro, são 482kg de ouro decorando de forma rebuscada e opulenta nos detalhes do estilo barroco.
Este estilo exigia tanto dos escultores que o altar demorou em torno de 25 anos para ser finalizado e é repleto de influências agregadas pela cultura e origem de cada artista que trabalhou ali.
Encontramos anjinhos com cabelos e olhos chineses, anjos com o rosto de buda, arcanjos com vestes romanas, totens com figuras da cultura grega, etc... O guia Rosaldo que fica na igreja durante o dia pode orientar todas as informações sobre estas influências.
Além disso, o piso da igreja era composto por placas de madeira que eram na verdade as lápides das irmandades que patrocinavam a construção da igreja e de seus altares (cada igreja pode conter 7 altares diferentes, além do principal, mais 6 personalizados por cada irmandade).
Outra descoberta interessante para nós foram as simbologias das aves representando Pai, Filho e Espírito Santo:
Águia - representa o Pai por ser a ave que voa mais alto e tudo vê.
Pelicano - ave que bica sua própria pele para nunca faltar alimento aos filhotes (o Pai se dando como alimento)
Pomba - representa o Espírito Santo por ser a única ave que não possui bile (sem amargor tudo o que resta é doçura...)
Fênix - o filho que ressucita.
Galo - nunca encontrado nas decorações internas, pode ser vista apenas nas torres dos sinos para representar o ser humano que cisca e não voa e, portanto, fica do lado de fora do templo.
Outra coisa ineressante é ver a estrutura da igreja, Teto côncavo e paredes mais estreitas perto do chão, o interior da igreja lembra um navio invertido, ou seja, como a Arca de Noé acolheu os escolhidos para a salvação, nós entramos no "navio igreja" que navega no azul do céu para buscar também a salvação!
Incrível, não?!

Museu da Liturgia - a visita vale também pela vista do pátio e pela paz que emana.
Estas chapas vermelhas possuem saídas de som com trechos da bíblia sendo recitados.

Embebidos por esta atmosfera religiosa, seguimos para a visita ao Museu da Liturgia, outra prova de que o povo de Tiradentes tem muito apreço por suas relíquias e busca preservar sua história.
Estruturado sob a edificação da antiga casa paroquial, o museu conserva todas as peças das igrejas da cidade e que estavam deteriorando aos poucos em seus ambientes úmidos.
São 427 peças entre castiçais, imagens e até uma Cruz-Relicário do Santo Lenho oferecida por Portugal em agradecimento ao ouro encontrado no Brasil.
Todo o acervo fica à disposição das igrejas e pode ser solicitado para ser utilizado em festividades e procissões, um acervo vivo!

Para completar o encanto do passeio, descendo da Matriz pela Rua do Chafariz, passamos pelo chafariz de São José datado de 1749! Com elementos barrocos e trabalhado em quartzito, o Chafariz apresenta uma imagem de São José de Botas, padroeiro dos bandeirantes e desbravadores.

Seguindo mais adiante é possível admirar o pôr do sol  no morro da igreja São Francisco, porém, alguns detalhes devem ser considerados: repelente, agasalho e....chegar cedo! Porque em Tiradentes o sol de põe bem cedo (na verdade, se esconde por trás das montanhas que cercam a cidade).

Além de toda essa riqueza cultural, as lojinhas de Tiradentes oferecem muito artesanato, doces, móveis e lojas de enxoval bem parecidas com a Le lis blanc casa (inclusive no preço rs).
Na foto acima, depois de sair da loja Puro Cacau, minhas aquisições: licor de pistache e doce de marmelo. Compramos bombons sortidos e um café blend maravilhoso!

Chapa dos Anjos (filé mingnon, batatas noisette com queijo e legumes) - Bar Templários



Por último, mas não menos importante, a culinária mineira não pode ficar de lado!
São diversos os restaurantes que rodeiam a praça principal e oferecem opções para todos os bolsos. Infelizmente o regime não pode ser rígido em Minas, mas existem opções de caldos (não tão leves) em quase todos os restaurantes e, sem dúvida, os pratos mineiros fazem sucesso e oferecem generosas porções a cada refeição, quase não sobra espaço para os infinitos doces caseiros!

Tiradentes sem dúvida deve ser o primeiro destino da Estrada Real por sua atmosfera colonial tão bem conservada que nos encantou!! (São apenas 5 mil habitantes nesta pequena cidade).


Aqui encerramos nossa estadia em Tiradentes. Em nosso próximo post falaremos o que vimos em São João Del Rei. Depois.....rodas na estrada (de terra e cascalho!!) em direção a Ouro Preto!

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